Foto de Duarte Braz
Escolhi o Vale pela manhã para falar do Sr. Zé.
Pela aldeia, a larga maioria, conhecia-te como " Quinhentos" , alguns como " Matrajela" . Do primeiro nome sei o porquê. Apareceu no tempo de juventude dos meus pais, já o segundo não faço a mínima ideia de onde poderá ter surgido. Podia ter indagado, mas não, fiquei-me pelo nome com o qual respeitosamente o tratava: O Sr. Zé.
Como dizia, escolhi o Vale pela manhã, pois foi pelo vale que nos fomos cruzando nas horas de labor. Ora no "Vale de Undrigo", ali perto das Águas Empoçadas, ora pelas Trigueiras abeiradas ao Canouçado. Tratava, então, o Sr. Zé, das terras do Dr. Alfredo homem de Coimbra e da vida Coimbrã.
Já os frequentes encontros e acesas conversas aconteceram, em determinada altura, pelo " casulo" ( era o nome que dava ao pequeno espaço inicial das bombas).
O Sr Zé, fora criado na aldeia com os seus irmãos, e, desde muito cedo, a fome de viagem ( somada a outra que grassava por todo este país) levou-o a ter aventuras inusitadas. Uma delas acabaria por lhe conferir uma das alcunhas.
A sua passagem por África fora definitivamente a que o marcou mais.
Dizia o Sr Zé:
" Fui Fiel de Armazém" , " Nada entrava ou saía dali que eu não soubesse" , " Era muita responsabilidade".
Gostava das músicas de África, mas confessava que o que gostava mais, era ver as danças convidativas das mulatas...
...e entravamos por considerações mais... telúricas... ou coisa razoavelmente parecida.
Mas o que realmente gostava o nosso amigo, era de cantar à desgarrada.
Muito nos rimos com as suas infindáveis respostas a quem ousava desafiá-lo.
Lembro-me duma com a qual nos rimos bastante.
O desafiante acaba a frase dizendo: " Estava a cantar no jardim" e o Sr. Zé: " Cuco... cuco! " . Risada geral!
O Sr. Zé era um brincalhão, amigo dos copos e das farras. Amigo de uma boa cartada de sueca, durante a qual lá ora se irritava com o adversário ou se ria dele. Neste capítulo das cartadas era um jogador concentrado, dominós também jogava com mestria.
Com o Adelino, o padeiro, passava ali algum tempo.
A realidade familiar podia não ser a melhor deste mundo, é verdade, mas já pelo fim reconheceu o valor infindável e inigualável da família.
As saudades que eu via nos seus olhos quando falava dos seus filhos, que estavam longe, Sr. Zé ninguém a poderá negar.
Eram genuínas saudades.
Hoje o Sr. Zé deve estar a conversar com o amigo Adelino, o Dr. Alfredo e tantos outros que o tempo acabou por levar para o plano astral.
Não sei se encontrou alguns amigos da desgarrada, ou se encontrou as suadas danças africanas, não sei...
Sei que partiu.
E consigo, Sr. Zé partiu um retalho do Vale do qual já sinto saudades.
Descanse em Paz, Sr. Zé.
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Um abraço