Este ano resolvi atrasar o meu texto sobre teatro, pois faz hoje uma década que o Leandro Vale partiu.
Já conhecia as artes performativas, e o palco em muitas configurações, quando me cruzei, pela primeira vez, com o meu amigo e camarada Leandro Vale.
Foi na Quinta da Atalaia, no pavilhão de Bragança mais precisamente.
"Os malefícios do tabaco" de Anton Tchekhov era o que descontraidamente ias representando pelo público dentro. Era de tal forma descontraída e natural, a tua intervenção, que ainda fiquei com dúvidas se estarias a meter-te descaradamente com as pessoas ali sentadas na esplanada.
Parei, sentei-me no chão e observei. Era Teatro.
A espaços ias regressando ao palco improvisado, onde tinhas os parcos adereços. O trabalho de ator era notável. Como é evidente, o teu nome era-me completamente desconhecido, tal como toda a tua obra.
Como é evidente, acabaríamos por nos tornarmos amigos e até termos um projeto juntos. E foi engraçado! Era a minha primeira abordagem ao teatro de rua. As indicações e correções, foram parcas pois parcas foram as vezes que ensaiamos. Acho que ensaiamos, com a tua orientação, vez nenhuma! Lá nos ias corrigindo no nosso deambular pelas ruas, no linguarejar da minha companheira, na abordagem aos transeuntes. Repetimos algures pela Barca de Água e pela Quinta da Atalaia, se bem me lembro.
Foram momentos únicos.
Hoje, lembro-me de ti amigo Leandro, pois há 10 anos atrás ligava-te a 27 de Março para te dar aquela mensagem do costume: " Bom dia Teatreiro!" .
Estavas no hospital.
Foras internado, pois a tensão, empurrada pela fome de estrada e os teus diabetes, chegara aos píncaros. Tiveste " um problemazinho", dizias-me.
Dias mais tarde, aproveitaste a boleia do Manoel de Oliveira e partiste rumo ao eterno.
Foi um dia triste.
Como é sabido, por quem me conhece bem, o teatro sempre fez parte da minha vida. O Leandro sempre teve o lugar especial de teatreiro e de (felizmente) inevitável amigo. Era um Estalinista convicto! E eu gozava com ele sempre que podia. Aqui na imagem a provocação do costume: " Estalinista" , dizia eu...
As manifestações partidárias não fizeram jus à tua obra e à tua dedicação. Bem barafustei, mas de nada me adiantou. Houveram camaradas que te prestaram uma homenagem pelo pavilhão de Bragança , outros que lançaram um livro para te homenagear. Pelo Torreão, perto da tua casa, os amigos lembraram-te e lembram-te sempre. Mas o autor português que mais peças de teatro escreveu ( citando um artigo do JN ) , não teve a homenagem merecida pela enormidade da obra. E isso, camarada Leandro, não esqueço.
Sei que andaste por aí a semear, sei. Há muitos grupos de teatro e festivais que existem, Leandro, graças à tua preciosa colaboração. Infelizmente, não conheci, nem conheço a maioria.
Podia ter falado dos meus passos pelos palcos, podia; mas nada se compara com os teus feitos, amigo teatreiro.
Hoje lembro-te.
Do Vale para o Vale o meu abraço.
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